Meu primeiro
inverno com uma carteira de motorista
O chao coberto de neve lá
fora, tao branquinha e fofa, pode por vezes deixar meus amigos no
brasil com uma invejinha branca. Como brasileira que morou em seu
país natal durante os primeiros 23 anos de sua vida sem nunca antes
ter conhecido o exterior de forma alguma, eu sei bem o que é o
sentimento de curiosidade e euforia que existe no coração de
qualquer brasileiro em relacao a um inverno branquinho. A gente se
imagina fazendo guerra com bolas de neve, construindo um boneco e
tomando um toddy quentinho depois da brincadeira para se recuperar. E
até que existe mesmo esse lado do inverno. É bom se divertir na
neve. O que a gente não vê nos filmes de natal estilo “Esqueceram
de mim” é o caos que acompanha essa época do ano.
Para mim que tirei minha
carteira de motorista a menos de seis meses, esse inverno vem não
apenas acompanhado de tédio, por passar maior parte do tempo
trancada em casa, e depressao pela ausência do sol, mas pela
primeira vez sinto uma grande preocupacao: como vou chegar ao meu
trabalho quando acordar e as ruas estiverem cobertas de neve? O
caminho que faco para chegar ao meu trabalho é um trecho com curvas
e floresta de pinhos. Eu ainda sequer ousei me imaginar dirigindo por
aquele caminho.
Mesmo com o tempo bom eu
tenho ciencia das minhas dificuldades atrás de um volante. E não me
venha com essa conversa fiada machista de que isso é porque eu sou
mulher. Não senhor. Eu sou um ser humano em perfeita saúde física
e mental. Sou capaz de dirigir um carro como qualquer ser humano,
independente de meu gênero. Se possuo dificuldades sei bem que elas
estao unicamente relacionadas à minha falta de experiência.
Exatamente isso é que me faz ter receio de dirigir na neve. Eu nunca
dirigi no inverno antes. Não sei como devo agir para evitar
situacoes de risco e temo pelas minhas decisoes.
Fato é que experiencia só
se adquire fazendo. Eu vou aprender com meus erros e acertos. Algumas
vezes vou tomar decisoes certas, outras vezes não. Ás vezes vou me
sentir com medo, outras vou me sentir confiante. Não há outra forma
de melhorar minha habilidade em qualquer atividade se não for com a
prática. É escrevendo que um escritor pode aperfeicoar seus textos.
É tocando guitarra que um guitarrista aprende mais acordes. E o velho, porém sincero cliché: é
vivendo que se aprende. Sentir medo é humano e inevitável. A
pergunta que vale ser feita é: esse medo vai me manter no casulo por
quanto tempo?
Acho que também vale a
pena repensar que o tempo de inércia só torna ainda mais dificil a
saída da zona de conforto. Sem falar no peso que é viver todo o
tempo com a sensacao de que há algo a ser resolvido e que está
sempre sendo adiado. É raro nos sentirmos de fato preparados para os
desafios da vida, seja eles quais forem. Nunca vi uma grávida
dizendo-se preparada totalmente para ser mae, ou alguém a um passo
de mudar de carreira se dizendo pronto para a readaptacao. O que
vemos são pessoas corajosas, que preparadas ou não, aceitam o
desafio e fazem o seu melhor. O inverno está aí. A neve cai lá
fora sem me perguntar quantas vezes eu já dirigi numa rua congelada
e escorregadia. Não me perguntou se há curvas no caminho para o meu
trabalho. O tempo de enfrentar esse desafio chegou para mim. É hora
de levantar a cabeca, tomar coragem e dar o meu melhor. Erros e
acertos haverao. Assim é a vida. E se não fosse assim, talvez não
tivesse graca.